quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Carnaval



Foi uma coisa ridícula. Eu olhei e reolhei.. E pensei, que merda!
É carnaval. Certo... Ainda assim...
Porra! Meu amigo de mulher não! É ofensivo com as mulheres esse tipo de coisa. Eu não sei qual foi a dele... Que todo santo ano se veste de mulher no carnaval. E a namorada arruma o cabelo. A mãe faz a maquiagem. E as duas emprestam as roupas. Nessas horas o conceito de amizade fica meio vago, sabe? Porque... Eu não preciso ver isso. Mas eu vi.
E.. na boa, é por isso que eu só saio na época de carnaval depois de um certo horário... E, dependendo do caso, arrastado. E fico bem longe das ruas principais. Somos amigos desde crianças, estou acostumado com algumas de suas esquisitisses (incapaz de atravessar água corrente, de passar por gatos pretos...). Ainda assim, que merda. Ele de mulher, me mandando beijinho... Todo feliz. É engraçado. O grupo tira foto, debocha e certamente vai usar isso quando a bebedeira do cara passar. Ainda assim...
É que odeio carnaval. Essa história toda de melhor festa do ano... Brasil parar. Sei lá... Sou chato, admito. Uma marchinha de carnaval, uma colombina na minha frente. Tem alguma dignidade. Agora.. .o cara de mulher, a mulher sem roupa.. Não tem graça. Eu vou imaginar a mulher como? Está tudo lá! Na frente! Eu sou velho. E fora de moda, segundo me dizem minhas ex-namoradas.
A columbina atual conta os ficantes. O pierrot sem dúvida é emo. E a baiana agora é mulata da escola de samba. E essa mulata foi perdendo peças de roupa conforme o tempo foi passando. E nada disso tem graça. Eu não vou de maneira sutil convencer a minha colombina com flores e poesias que ela é linda, ou qualquer coisa do gênero. Eu vou chegar chegando e se não der, existem outras. Máscaras para quê? Está tudo exposto ali. Se gostar gostou...
O carnaval tinha, até um tempo atrás, uma mistica. As pessoas não entenderam. Ou pura e simplesmente não quiseram entender. Era baile de máscaras. Um dia para ser outra pessoa. Não para se esquecer de quem se é. Bacanal por bacanal, troca logo o nome do troço para festa de dionísio. E faz isso em outra data. De preferência, usando toga. É mais fácil de soltar a roupa. E de preferência, proibindo macho de se vestir de mulher. Por que na boa... Se o cara que se assumir, que faça isso o ano inteiro, e não uma vez por ano bêbado para enxer o saco dos outros...

Imagem: Pierrot de Auguste Macke

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Saldo



Dois pesos e duas medidas. Ela sempre teve isso. Mas sua hipocrisia nunca era capaz de me chocar menos. É um mundo de conveniências este nosso. Todas as vezes que apanhei feito cachorro, imaginei que os dois pesos e as duas medidas não fossem tão fortes, presentes, na mente dela.
Apenas mais um desvio que ela tinha... Ao invés de ser diferente do monstro de mãe que lhe atormentou... Ela resolveu ser que nem o monstro que tanto lhe atormentou. Burra e hipócrita... A genética não lhe perdoou. Qual a herança que ela irá receber ao fim de tudo? Solidão, suponho. Apodrecerá nos calabouços que criou para si.
Um monstro. Estúpido, ainda por cima. Com compaixão teria-me como servo. Com sua imbecilidade tem apenas mais um que lhe dará as costas no futuro... Todas as vezes que apanhei, pensei, mereci. Como boa criança inocente, jamais questionei a justiça daqueles que me abrigavam e criavam... Nunca pensei, em momento algum... Ganho olhos roxos porque meus olhos são negros, não castanhos como os dela. Olhos negros como os de meu pai. Isso é um desabafo. De vez em quando preciso disso mais do que de uma garrafa de vinho ou absinto.
Mais do que das minhas paixões. Preciso falar.
Eu merecia. Eu não havia colocado a roupa onde ela queria que eu colocasse. Não tinha a ajudado da forma que ela queria. Não tinha sido um bom menino. Até que reparei... Ele tinha os olhos castanhos como os dela... E a justiça que era imperdoável comigo... Fora de meu âmbito era capenga...
Enfim... quando as pessoas nos magooam, anotamos em couro as dores feitas, para que resistam ao tempo... Quando é injusto... Têm que ficar registrado... Gostaria de conseguir queimar tudo isso e fazer um bom churrasco de minhas cicatrizes com ela. Mas não posso... O saldo negativo se acumula e multiplica de forma mais rápida que o positivo, bem sei...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Vazio



Eles estavam gritando do outro lado da rua. Não os entendia. Não porque estivesse fora de meus sentidos. Não porque a rua estivesse agitada demais. Era madrugada e o único movimento que eu podia perceber era o de um gato preguiçoso fugindo de sua dona. E certamente, não era porque eles diziam coisas ininteligíveis.
Em alguns tempos, a convivência nos cansa. E queremos que os outros se explodam. Ou sumam. Os gestos estão gastos e não há fôlego o suficiente para ouvir a mesma sequência de frases, expressões. É impressionante como a criatividade abandona o ser humano médio cada vez mais a cada dia. Ou será que o ser humano médio abandona cada dia mais a criatividade? O plágio parece ser a estrada mais As pessoas se cansam do que é repetitivo. Entretanto, também crêem que a energia gasta em criatividade é um gasto inútil. O caminho mais fácil para o sucesso é o plágio. A fama pode ser conseguida ao transformar-se em uma cópia pobre de alguém. Milhões são capazes de gritar por uma farsa e incapazes de compreender quais são as reais consequências do grito irreflexivo. Colaboram com seu tédio diário. Matam o que pode ser novo. Afinal, a falta de novidade muito lhes apraz. Afinal, a novidade é indefinível, em um mundo que exige novidades ao menos dez vezes por dia. Estímulos são mais importantes que qualquer coisas para os ratos... Perdão, seres humanos.
Batem palmas pelos copiadores. São sobreviventes, audazes, espertos. A cultura do novo, bonito e brilhante ocupa a todos os espaços. Algo novo não pode ser produzido a cada dois segundos. Mentimos que reciclamos o velho.
Os gritos do outro lado da rua continuaram. Não havia novidade neles. Apenas a repetição contínua. Para não morrer de tédio... Joguei a garrafa vazia no meio do nada, acenei e fui para casa. Reciclei um antigo hábito meu... Ir dormir antes das seis da manhã...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Ação/Reação



Encarei o que tinha diante de mim. Nada demais. Medo de altura. Foi assim. Medo de altura. Pulei com toda a coragem que pude reunir. O chão não iria a lugar algum. E eu sabia disso. É um medo que precisava ser superado, o das alturas. Os pássaros não temem o céu. São tão mais frágeis que o ser humano.
Eu pulei. E senti o gosto da liberdade. Senti o quão frágil sou. Como um pássaro, alcei-me no ar, e percebi que a fragilidade minha e dele não eram importantes. Não eram diferentes. Um passo errado, ambos morremos. É uma forma de mostrar escárnio ao resto da natureza, atirar-se de um avião com para-quedas às costas. Eu não deveria estar ali. Deveria morrer com a queda, mas tenho um modo de proteger-me das consequências de tal ato. Tantos são os atos impensados que fazemos sem sofrer as consequências totais dos mesmos.
Pulei mal. Puxei o para-quedas um pouco tarde. Quebrei a perna. Fui um pássaro malcriado. Ainda assim, quantas são as coisas que posso vir a fazer sem sofrer as consequências? Nem toda ação possuem uma reação equivalente. O ser humano me assusta por isso. Ele é capaz de burlar o quesito ação/reação. Nem todo crime acaba em punição. Isto seria assustador. Mas não é nada, diante da consequencia que deveria vir após a quebra das regras impostas pela gravidade e o não padecer em um ambiente fora de seu habitat natural. Somos realmente bons em burlar leis e fingir que não advém disto reações equivalentes. Pulei. Apenas quebrei a perna, não segui o quesito imposto por aqueles que quebraram antes a regra. Enfim, há convenções entre aqueles que burlam leis inevitáveis. Quebre-as, e alguma forma de reação equivalente virá... Um quebrar a perna ou mesmo um nadar com sapatos de cimento... Mesmo assim, ainda é possível escapar das consequências disto, apenas no ato de tentar voltar a seguir-se as regras naturais.
A última regra que o ser humano ainda é incapaz de burlar... é a morte. Minha curiosidade impele-me a desejar que tal lei seja quebrada. Advirá alguma consequência digna da magnitude de tal infração?
 

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